13/08/2017

ÚLTIMO SORRISO



Bom dia, Sr I, como vai? Sou aluna de medicina do segundo ano... Posso fazer algumas perguntas e examinar o senhor?
Pode sim.
Obrigada. Primeiramente, qual foi o motivo de sua internação aqui?

“Bom, há 20 dias eu comecei a ter febre e cansaço…”
E me conduziu com maestria pela história de sua doença… “no AMA acharam que era dengue e começaram o tratamento, mas eu achava que tinha alguma coisa realmente errada comigo. Em outro hospital, fizeram mais testes e... Novamente recebi o tratamento para dengue. Há poucos dias minha febre aumentou e tive que vir aqui para o HU”.
 Ora contando ora escondendo as informações que tinha, criou em mim uma expectativa que crescia a cada frase “Afinal, que doença ele tem? ”. Não havia pressa em seus olhos. Eles me olhavam pausadamente, com firmeza e com um certo pesar que de início eu não soube explicar. Aliás, eu sentia naquele momento que eu não poderia explicar coisa alguma, mas era ele quem me explicaria sobre o seu “caso” e mais do que isso, sobre a própria percepção do seu corpo, sobre o poder da narrativa (que naquele momento me transportava da minha história para a sua), sobre a beleza e a fragilidade da sua existência. E me conduziu com maestria pela história de sua vida.
            “Aqui no HU, eu fiz mais exames e o médico falou que queria conversar comigo e com meus familiares…No final das contas o doutor acabou falando com o meu cunhado, que em seguida me perguntou: I, você acha que sabe o que tem? Eu afirmei que sim. E ele então disse: Isso mesmo, infelizmente você tem isso que pensa que tem”.
 Nesse momento seus olhos estavam tristes e marejavam “A ciência faz a parte dela, mas também tem a fé...e juntando essas duas, você pode ter esperança...”. Um turbilhão de dúvidas me veio à mente enquanto tentava não chorar: então ele está morrendo? Qual é o diagnóstico final dele? Será que os médicos já têm certeza de que é grave mesmo? No meio de todas essas dúvidas tive a certeza de que estava diante de mim um grande homem, que acabara expor toda sua fragilidade. Eu o olhei e vi sua dor, e ele a viu refletida em mim. Certamente não estávamos rindo de felicidade, mas o conforto da compreensão o fez falar sobre esperança e sorrir.  
 Saí daquele quarto diferente.
            Na semana seguinte, voltei ao hospital e perguntei ao professor como estava o Sr.I e fui informada de que ele piorara muito e estava na UTI. Lá, ele estava entubado, sedado e apenas vivo pela ação de vários medicamentos. Não via mais seus olhos tristes, mas a mesma expressão que ele tivera na semana anterior estava presente em seus familiares que olhavam para aquele Sr.I, que não mais falava e não mais sorria. Depois de duas semanas, voltei ao hospital e fui informada de que ele tinha falecido.
            Triste, fico esperando que ele tenha tido uma vida tão incrível como sua capacidade de contar histórias, porque penso que a beleza da vida só é percebida por aqueles que compreendem e dominam o poder das narrativas.

DÉBORA TSENG CHOU
TERCEIRO LUGAR  I INTERMED LITERÁRIA PAULISTA
SOBRAMES SP
CATEGORIA PROSA


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